A produtividade dentro da empresa também é prejudicada, principalmente por conta do tempo gasto no celular. Barrar o avanço digital, contudo, já não é uma opção
Eduardo Nunomura
Não importa onde você esteja, pare por um segundo e observe à sua volta quantas pessoas estão olhando para baixo lendo ou teclando no celular. A cena da cabeça baixa e dos dedos em movimento virou rotina em qualquer lugar: em casa, no ônibus, na academia e, claro, no trabalho. No ambiente corporativo esse comportamento tem se tornado epidêmico, a ponto de algumas empresas proibirem os funcionários de acessar seus smartphones. Afinal, aqueles minutos que paramos para olhar para a pequena tela representam horas de trabalho perdidas, fazendo do celular o vilão número 1 da produtividade, além de minar a nossa saúde.
No Instituto Delete, núcleo pioneiro criado dentro do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro e que defende a utilização consciente das tecnologias, 75% dos 600 pacientes atendidos desde o ano passado foram diagnosticados com o uso abusivo do celular, para lazer ou trabalho. Os riscos à saúde causados por esse excesso são diversos. O simples ato de baixar a cabeça para ler as mensagens no smartphone pode triplicar a pressão sobre a coluna cervical. Oito de cada dez problemas ortopédicos estão relacionados a posturas indevidas diante do computador.
Quem fica muitas horas na frente da tela do desktop está sujeito a adquirir a síndrome do olho seco, que pode evoluir para uma lesão da superfície ocular. O fone do ouvido em alto volume pode produzir traumas acústicos. Atualizar-se nas redes sociais ou dar uma última lida nos e-mails antes de dormir pode confundir nosso cérebro: meia hora de exposição à luminosidade da tela adia a produção de melatonina, o hormônio responsável pelo sono da noite.
Conectar-se às redes sociais se tornou um “crime que compensa” para o nosso cérebro. Isso porque ele é ativado pelo ciclo de dopamina, o neurotransmissor responsável pela motivação, impulso e foco. Toda vez que alguém curte nosso post no Facebook ou Instagram, responde aquela mensagem no WhatsApp ou compartilha um tuite no Twitter sentimos satisfação, felicidade e euforia. O ciclo é vicioso. Segundo uma pesquisa da Global Webindex, de 2014, o Brasil é o segundo país do mundo no tempo gasto com as redes sociais, só perdendo para as Filipinas. Enquanto a média mundial é de menos de duas horas por dia, o brasileiro passa mais de três horas em Facebook, Twitter e outros sites do gênero.
O problema é que toda vez que interrompemos uma tarefa para checar o aparelho, gastamos no mínimo 62 segundos para voltar ao ponto em que estávamos. Com isso, perdem-se até oito horas em uma semana de trabalho, segundo estudos científicos publicados no exterior. “A simples alternância entre uma atividade laboral e o celular piora o estado de atenção, que se torna superficial. Com isso, a qualidade do trabalho também cai”, afirma o psiquiatra e consultor Frederico Porto.
Cientes do impacto negativo tanto na produtividade quanto na saúde de seus empregados, algumas companhias buscam alternativas para o problema. Em uma pesquisa de 2010, a consultoria Manpower detectou que 55% das empresas brasileiras tinham alguma política de restrição para o uso do celular — a média global era de 20%.
CONSCIENTIZAR É MELHOR
Há um consenso entre líderes de RH que proibir o uso de celular deve ocorrer apenas em casos extremos ou nos quais a atividade exija atenção máxima. Afinal, ter colaboradores conectados e atentos às redes sociais pode trazer inovação, criatividade e feedbacks vitais. “O desafio das corporações é como criar afinidade com as novas gerações”, diz Márcia Almström, diretora de RH do Grupo Manpower, consultoria multinacional de mão de obra especializada. Hoje, mais de um terço da força de trabalho é formado por jovens de 20 e 25 anos, que entram nas empresas dentro do contexto tecnológico. “Se a organização os trata na base da proibição, não consegue engajá-los”, diz.
Para os jovens, a dependência tecnológica é ainda mais crítica. Segundo Cristiano Nabuco de Abreu, coordenador do Grupo de Dependência Tecnológica do Programa do Impulso, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, eles estão acostumados a um padrão no qual o raciocínio profundo e a análise detalhada são inibidos pelas atividades mais rápidas e superficiais. “A tecnologia interfere no modelo mental do processo de interpretação da vida. As pessoas começam a fazer muitas coisas ao mesmo tempo, o que as leva à perda da inteligência emocional”, diz.
Como a organização consegue concorrer com as redes sociais e os celulares e se conectar com os jovens? Era esse o dilema que Marcio Oliveira, CEO da agência de publicidade Lew’Lara/TBWA, precisava resolver. Muitos dos insights e inovações dependem de profissionais sintonizados com o humor da sociedade, identificado pelas redes sociais. Proibir o uso de smartphones e tablets não era uma solução. O jeito foi estipular um limite. Do lado de fora das salas de reunião, a agência instalou um totem para guardar os celulares, principalmente enquanto o time estiver com clientes. Desde que a medida foi criada, há três anos, o tempo para entender a necessidade das empresas caiu pela metade.
Uma companhia que proíbe o uso do celular pode até evitar o problema dentro do ambiente corporativo — mas força o colaborador a levá-lo para casa. A melhor alternativa ainda é a instrução. “Uma simples educação do uso consciente do celular já basta”, diz a psicóloga Anna Lucia King, fundadora do Instituto Delete.
Foi esse o caminho escolhido pelo Grupo Haganá, de segurança patrimonial. O negócio exige atenção e não há margem para distração nem por alguns segundos. Na central de monitoramento de alarmes e câmeras remotas, por exemplo, os colaboradores devem observar o comportamento dos seguranças nas portarias de condomínios. Com mais de 1.000 clientes em São Paulo, Campinas e ABC, a empresa, que já proibia o uso dos celulares, decidiu em 2014 criar campanhas internas de conscientização. Palestras, até com a participação da família, abordam o tema da dependência tecnológica. “Tivemos relatos de que houve melhora inclusive nas relações familiares”, diz o diretor administrativo operacional Ricardo Francisco Napoli da Silva. Empregados focados e conscientes do uso racional da tecnologia se tornam mais produtivos e motivados, tanto que no setor administrativo a rotatividade foi zerada nos últimos três anos.
Além da conscientização, os gestores de RH podem reduzir o uso do celular construindo com suas equipes as regras de uso. As mais comuns podem definir que o aparelho deve ficar no modo silencioso, criar espaços para seu uso livre e estimular o acesso em intervalos de tempo. Outra saída é recorrer aos aplicativos que controlam o tempo gasto no celular durante o expediente, como o Offzone Work. A empresa de telemarketing FPE Promotora de Crédito adotou o aplicativo e viu a produtividade das vendas de crédito consignado crescer 30%.
Vale lembrar que, quando um empregado estiver abusando do uso do smartphone, ele deve ser alertado. Muitas vezes o vício está tão enraizado que o ato de clicar na telinha vira mecânico — a pessoa perde totalmente a noção do tempo que passou de cabeça baixa, lendo, teclando e até rindo sozinha. Conectado a si. Desconectado dos outros.
DEPENDÊNCIA DE INTERNET
Se você apresentar, pelo menos, cinco dos oito critérios, é aconselhável procurar ajuda profissional:
1 – Preocupação excessiva com a internet
2 – Necessidade de aumentar o tempo conectado para ter satisfação
3 – Exibir esforços repetidos para diminuir o tempo de uso da internet
4 – Apresentar irritabilidade e/ou depressão
5 – Quando o uso da internet é restringido, demonstra instabilidade afetiva
6 – Permanecer mais conectado do que o programado
7 – Ter o trabalho e as relações familiares e sociais em risco pelo uso excessivo
8 – Mentir aos outros a respeito da quantidade de horas conectadas
Fonte: Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso (Pro-Amiti-USP)